segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Adaptação e Acolhimento:
Um cuidado inerente ao projeto educativo da instituição e
um indicador de qualidade do serviço prestado pela instituição.
Cisele Ortiz
Revista Nova Escola.

Entre adaptar-se e ser acolhido - conceituação
Assisti a um filme muito interessante “ A Língua das Mariposas” de José Luiz Cuerda, que recomendo a
todos os educadores, que conta a história de um menino que conduzido pelo seu professor, convicto de que a
liberdade é o maior bem que um ser humano pode ter, descobre o mundo do conhecimento em todas as áreas
da vida de um maneira, sensível, humana e real. No entanto o filme é ambientado na Espanha nos anos 30 e
Moncho, o menino, perde a sua inocência com o advento do regime de Franco.
Logo no início do filme há uma cena que provavelmente conhecemos ou ouvimos falar Moncho perde a sono
ao imaginar como será a sua escola, já que irá para a escola pela primeira vez. No meio de muita expectativa,
ansiedade e medo, Moncho busca referências em seu irmão mais velho, que pouco o ajuda. 3
No dia seguinte é conduzido por sua mãe que o apresenta ao professor, ela demonstra muita preocupação e
pede que o professor auxilie o seu “ passarinho”, sem perceber que está expondo a fragilidade do menino
publicamente. As crianças com muita crueldade e incapazes de lidar com este estranho, zombam do menino,
que também é asmático e precisa usar uma “bombinha”. Moncho, sentindo-se muito acuado e rejeitado, perde
o controle sobre suas emoções e acaba por fazer xixi na calça. Daí para frente só mesmo assistindo ao filme.
Esta situação muito me chamou a atenção, porque acho que as crianças vivenciam a entrada na escola muitas
vezes assim, com toda esta intensidade e é nosso papel enquanto educadores atenuar ao máximo os efeitos
que a separação casa/escola gera em crianças pequenas.
“Há muito tempo atrás nas creches e pré-escolas e até mesmo nas escolas de ensino fundamental, parecia não
haver outro jeito: ou as crianças se adaptavam ou se adaptavam. A mãe “precisava” trabalhar e a criança
“precisava” ficar na creche. Os primeiros dias em uma instituição educacional eram visto como um mal
necessário pelo qual toda criança deveria passar. A idéia que mais cedo ou mais tarde a criança acabaria se
acostumando, o que de fato acabava acontecendo, fazia parte do senso comum. Sofrimento, insegurança,
desamparo e outras possíveis decorrências deste processo eram desconhecias e por vezes ignorados.
“A lembrança dos primeiros dias de escola, faz parte do universo de lembranças da maioria dos educadores
quando tratamos desta questão, nem sempre boas geram importantes reflexões sobre o processo de
adaptação.”
“Lentamente, a educação passou a incorporar as descobertas derivadas da psicologia e em especial da
psicanálise
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., que se preocupavam com os sentimentos, as emoções, a individualidade, a construção da
identidade e o processo de socialização. As escolas que atendiam as crianças de classe média e alta foram as
primeiras a repensarem o processo de entrada da criança na escola através da formulação de procedimentos
específicos. Desde então, inúmeras propostas têm sido implementadas visando receber a criança e sua família
da melhor forma possível. Todas elas compartilham do princípio que a entrada na escola pode gerar estresse
nos envolvidos, criança, família e profissionais da educação, podendo, no entanto, ser suavizado ao máximo,
através de um planejamento cuidadoso e da antecipação de intercorrências.”
“Propomos aqui discutirmos alguns aspectos deste processo, já que ele possui estas múltiplas dimensões,
visando considerá-lo como um cuidado inerente ao projeto educativo da instituição e como um indicador de
qualidade do serviço prestado pela instituição.”
“A adaptação pode ser entendida como o esforço que a criança realiza para ficar, e bem, no espaço coletivo,
povoado de pessoas grandes e pequenas desconhecidas. Onde as relações, regras e limites são diferentes
daqueles do espaço doméstico a que ela está acostumada. Há de fato um grande esforço por parte da criança
que chega e que está conhecendo o ambiente da instituição, mas ao contrário do que o termo sugere não
depende exclusivamente dela adaptar-se ou não à nova situação. Depende também da forma como é
acolhida.”
“Considerando a adaptação sob o aspecto da necessidade de acolher, aconchegar, procurar o bem estar, o
conforto físico e emocional, amparar, amplia significativamente o papel e a responsabilidade da instituição de
educação neste processo.”
“A qualidade do acolhimento é que garantirá a qualidade da adaptação, portanto não se trata de uma opção
pessoal, mas de compreender que há um interjogo de movimentos tanto da criança como da instituição dentro
de um mesmo processo.”
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A psicanálise é o conjunto de teorias formuladas por Sigmund Freud (neuropsiquiatra austríaco -
1856/1939) e seus discípulos, no qual há a valorização do inconsciente que se manifesta independente de
nossa vontade. A psicanálise nos ajuda a compreender o desenvolvimento infantil do ponto de vista das
emoções. 4
“Nesta última década, após a Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, lei de Diretrizes e
Bases da Educação e mais recentemente o Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil, todos
afirmando o direito da criança a uma educação de qualidade, não dá mais para imaginar a criança fazer parte
da creche, sem que se planeje a qualidade do acolhimento”.
“O acolhimento pode ser enfocado de diferentes pontos de vista.”
• das famílias que compartilham a educação da criança com a creche/pré-escola;
• da criança, do significado e emoção que é passar de um espaço seguro e conhecido, para outro em que é
necessário um investimento afetivo e intelectual para poder estar bem;
• do professor que recebe uma criança desconhecida e ainda tem as outras do grupo para acolher
• das outras crianças que estão chegando ou que fazem parte do grupo e precisam encarar o fato de que há
mais um, para repartir, mas também para somar.
• da instituição, nos aspectos organizacional e de gestão, que prevê espaço físico, materiais, tempo e
recursos humanos com competência para esta ação.”
“O acolhimento traz em si a dimensão do cotidiano, acolhimento todo dia na entrada, acolhimento após uma
temporada sem vir à escola, acolhimento quando algum imprevisto acontece e a criança sai mais tarde,
quando as outras já saíram, acolhimento após um período de doença, acolhimento por que é bom ser bem
recebida e sentir-se importante para alguém.
Quando somos acolhidos, bem recebidos, em qualquer lugar, em geral nossa reação é de simpatia e abertura,
esperando o melhor daquele ambiente daquelas pessoas. Quando ao contrário somos recebidos friamente,
nossa tendência é também ignorar, não se envolver, passar desapercebidos. E o que acontece quando somos
mal recebidos? A gente jura não voltar mais àquele lugar!”
“Por que com a criança e sua família deveria ser diferente?”
“Se considerarmos que cuidar é considerar e atender as necessidades infantis, ouvir e observar as crianças,
seguir ao princípio de promoção de saúde, tanto ambiental como física e mental, interessar-se pela criança,
pelo que ela pensa, sente, sabe sobre as coisas, sobre os outros e sobre si mesma, adotar atitudes e
procedimentos adequados e fundamentados em conhecimentos construídos sobre as diferentes faixas etárias e
realidades sócias culturais, o processo de acolhimento é um dos primeiros a ser objeto de cuidado em relação
à criança.”
“Para a criança entrar na creche, pré-escola e mesmo na escola significa um processo ativo de construção de
novos conhecimentos e de vínculos. Quando a criança chega na instituição ela já tem expectativas sobre o
comportamento dos adultos, das outras crianças e até mesmo da forma de se relacionar com os objetos e
brinquedos, pois ela já construiu referências a partir de suas vivências e experiências, mesmo que seja uma
criança bem pequenina, um bebê. “
“Ela precisa de um tempo para que conscientemente fique claro para ela as diferenças entre sua casa e a
escola, assim como para que ela transfira seus sentimentos básicos de confiança e segurança para alguém.
Este tempo é bastante individualizado, algumas crianças passam por este momento de forma mais rápida,
outros mais lenta, não podemos estabelecer isto a priori.”
“As crianças lidam fundamentalmente com a ansiedade da separação: a escola tem um papel fundamental ao
estabelecer o corte na relação mãe-filho, e isto pode ser bastante positivo para ambos, no entanto pode gerar
insegurança e fantasias de abandono e a escola e o professor são o porto seguro da criança nesta situação,
garantindo-lhe o tempo todo através de sua atenção e de atividades adequadas o quanto elas não serão
esquecidas.” 5
“Algumas crianças demonstram maior confiança e passam a freqüentar a escola como se naturalmente já
fizessem parte daquele ambiente; talvez sejam crianças melhor preparadas emocionalmente, que já tenham
vivenciado experiências positivas de separação, ou que esperam este momento ansiosamente, porque têm
outros irmãos que já freqüentam a escola.”
“Mas, a maior parte das crianças podem reagir fortemente à separação e há diferentes maneiras das crianças
reagirem a este processo: podem chorar ou ao contrário ficarem muito caladas, podem agredir a outras,
podem adoecer, podem recusar-se a comer, a dormir, a brincar, é preciso acolher estas manifestações e
conhecer a forma de cada um considerando como natural dentro deste processo e não rotulando a criança a
partir disto. Algumas crianças têm rituais específicos para dormir, comer ou usar o banheiro, outras usam
objetos tais como paninhos, chupetas, brinquedos e ficam apegadas a elas. Estas coisas têm um significado
especial para elas pois criam a ilusão de que a mãe ou a pessoa na qual investem afeto estão próximas, lhes
proporciona maior conforto emocional e segurança. Deixar que a criança mantenha seu jeito de ser, seus
rituais e sua rotina individualizada, para aos poucos se ajustarem ao grupo, proporciona suavidade ao
processo sem rupturas bruscas e maior controle do adulto sobre o processo.
Conversar a criança sobre seus sentimentos, sobre a rotina, contar o que vai acontecer com ela, ajudar a
criança a expressar seus sentimentos e valorizá-la enquanto pessoa e promover sua auto- confiança para lidar
com esta situação”
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Alguns indicadores de sofrimento
Outros sinais e indícios, além do choro, são reveladores do modo de estar na escola: dificuldade de vir para a
escola; dificuldade de separar-se da mãe ou de quem traz a criança para a escola; rejeitar ser cuidado por
outra pessoa; rejeitar alimentação; recusar-se a dormir; evitar usar o banheiro; recusar participar das
atividades propostas; recusar separar-se de seus objetos de apego, tais como chupetas e paninhos; ficar
apático ou ao contrário muito agitado; bater e agredir outras crianças sem motivo aparente; ficar doente
seguidamente ou desenvolver doenças crônicas ligadas ao intestino, ou, ao aparelho respiratório; machucar-se
continuamente, entre inúmeros outros que são característicos de cada criança e de sua história de vida.

Entrega dos Colchões